quinta-feira, fevereiro 23, 2006

...pequenas doses...


Como se estivesses descoberto o espaço em branco, o entre as coisas, o que ainda não foi dito, o quase, ainda assim me encaras enquanto te reviras, morres de ti, eu observo e também me calo, porque continuar grandes discursos se te vejo sóbrio?
...
Não termina de querer e querer, o querer é sempre Ad Infinitum, eu te observo já de outro ângulo e te vejo amanhecido de suor de noite funda, não estou tão bem assim para compartilhar algo verdadeiro, sou fácil de amargar, me esquivo enquanto provoco, mas ao teu lado vejo que ainda posso mais.
Acho que acabei de começar.
E você nem notou.

domingo, fevereiro 19, 2006


Claridade ou encontrar extraindo

Acompanhei com os olhos, ainda atordoada, a trajetória ondulada e imprevista de uma única folha que abandonou seca o galho debatendo-se leve contra o ar denso da paisagem.
Percebo que mesmo ao ignorar o invisível, porque não o vejo, pressinto sua força porque me toca dentro, e aquele sonho me visita quando pode...
Estou no centro de alguma luz, olho em volta, não vejo nada a não ser a própria luz, por isso sou obrigada a vasculhar meu corpo, resisto o quanto posso, mas não há jeito, só resta a mim e a luz com sua cor que abisma e enjoa. Olho a mim como se fosse algo fora, no começo a idéia de me ver era resultado de não ter alternativa, então me olhava como olhei aquela folha seca que despencava leve rumo a uma próxima natureza...
Depois de seca será o que a folha-eu?
Tomei uma dose exagerada de ar e meu corpo agradeceu até eu não querer deixar o ar ir embora e segurei firme um corpo cheio querendo transbordar...Existe um limite onde não ouso avançar o desconhecido, ando a beira espreitando-me com esse peso de folha seca.
Segurava um corpo que se debatia para libertar-se, mas cheguei no limite da minha coragem, soltei as feras e essa carne toda, toda essa carne se foi, apenas um gesto, o de abrir a boca e toda a vida se vai em uma expiração-morte e de novo inspiro-vida e de novo só quero inspirar-me...
O sonho continua...
Eu no centro de uma estranha luz espalhada em todo o plano horizontal olho o que posso, continuo a vasculhar com os olhos, acho meus pés, encontro sinais de outras raízes, meus pés sempre tocam antes de mim, sigo com os olhos a linha bem contornada do osso, me detenho na minha liquidez, a essa altura estou rolando desarticulada numa cama que range, quase me traz de volta, mas meu eu que sonha está imóvel perdido em si mesmo...

Estava falando dos contornos que traço com os olhos e me ocorreu à idéia de que as coisas só existem pra mim se as olho, assim eu posso fazer existir o que eu quiser e posso me recusar a olhar alguém para que ele exista... Fiz existir essa casa, aquele banco, o teto, o quadro, a janela com o céu nublado lá fora, mas ouvi um canto de coruja e mesmo sem vê-la eu a vi em minha memória de como é uma coruja, às vezes minha memória das coisas não me deixa gostar das coisas como elas são e então previsível e incrédula prefiro não me virar e ver a coruja em sua realidade de ser uma coruja...
Porque eu não resistiria se não fosse uma coruja?
Não sei...E se eu me virasse agora e visse algo realmente extraordinário, algo que eu nunca vi, algo sem classificação-gênero-espécie, eu cederia ao mistério? Ou teria que arranjar urgentemente uma explicação lógica para o tal fenômeno?
Eu diria para todos assim: Eu vi um garielflin nas margens do riacho perto da minha casa e ele/ela...Não sei...Sorriu pra mim e em seguida virou uma bola de fogo e se consumiu ali gente, na minha frente... Pensando melhor eu prefiro o mistério, mesmo sem saber como aceitá-lo... O mistério não precisa das minhas explicações para se manifestar, ele precisa do nada, o próprio esforço em querer aceitá-lo o espanta...
Como ser-aceitar o nada? Penso que não terei tempo de enxergar as coisas como elas são, sem atribuir nada, nem valor ou projeções... As coisas como são é aprender a ver.
Meu penúltimo impulso no sonho é sempre o de desistir de querer ser o que não sou então uma vontade toma conta de mim: Meus olhos de repente se viram para dentro da orbe, um e depois outro, por um momento eu consigo me ver dentro com um olho e com outro vejo fora, seguidamente a boca vira-se, o nariz, as orelhas,todas as entradas são lacradas ...Resta o último impulso...Afasto os cabelos de um rosto liso e tombo leve de cima da sacada.

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

...pequenas doses...


Experimenta, disse aquele que não se pode dizer o nome, experimenta isso:
Recebo calada um beijo quento no centro da palma da mão...Tento sozinha, mas não é a mesma coisa.

domingo, fevereiro 12, 2006

...pequenas doses...


Esse sopro leva e traz
O antes com o de agora mais um bocadinho de outras coisas, coisas que espero do que virá, misturo tudo, chacoalho, revolvo, trituro...Leve lâmina que se corta e se revela...
Tomo fôlego e resmungo sem coragem num cantinho: Vida.

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

( 16º Blogueiros Malditos )


Quando eu era eu-criança

E assim distraidamente espio alguns olhares. Às vezes me vejo tão impaciente...
Não tolero sorrisos sem compromisso, apertos de mão de passagem, se possível descubram sozinhos a porta da rua de mim, não tentem se mostrar ingênuos, interessados, prestativos, engajados, apaixonados, porque é inconstante e pueril, quando tudo o que se revela é irremediavelmente permeado de silêncios.
Se vamos falar um do outro sejamos francos: é possível nos descrevermos assim.
Lembro-me de quando eu era eu-criança...
O mundo era vasto, e havia mistérios, o outro era um grande enigma sem punições... As fugas no quintal de casa poderiam durar horas e também falando em horas, não havia tempo...
Tinha um salso chorão...Era uma árvore gigante que ficava nos fundos da casa da minha vó, pelo menos na minha lembrança era GIGANTE! Ela morava em uma ilha, distante de todas as casas, da cidade, de tudo...
Para chegar lá o único acesso era de carroça e depois uma longa caminhada por dentro de um bosque semicerrado de araucárias e plátanos e pequenos pântanos que cercavam o lugar.
Era realmente uma aventura chegar na casa de vovó. Eu ansiava que chegassem as férias para ficar com ela e o salso chorão! Lembro que tinha uma porteira branquinha que anunciava que era aquele o lugar, em frente um rio, depois do rio as montanhas e depois das montanhas o mistério...
Em cima sempre um céu azul e aquelas nuvens gordinhas e translúcidas...Levem em conta um relato de quem lembra e também cria esse passado... Muito bem...Farei diferente:
- Em cima eu quero que tenha sempre um céu bem azul e nuvens gordinhas, daquelas que se pode brincar de dar formas. Lá está minha vó cortando lenha, não, lá está a minha vó bebendo sua garrafa de vinho, produzido por ela mesma, de sua pequena plantação de vinhas. Ela me vê na porteira e imediatamente estende um copo de sangria, eu sempre achei graça desse nome: SANGRIA.
Parece algo que não se pode fazer, tem cheiro de algo proibido, ela sempre gostou de me dar sangria para beber, o preparo era delicado; vinho, água e açúcar, você meche e está pronta a sangria...


Ela me vê, estende o copo de sangria e também me vêem os 15 cachorros e os patos e as galinhas e as vacas e os porcos e as cabras e as caturritas e novamente ela... Com sua enorme trança branca e seu sorriso-meu...
No rosto existe toda a sua história, como pode ser tão lúcida? Como? De onde vem essa estranha e indecifrável vida? Nunca entendi como poderia ser tão confortável a solidão...Ela sabe que tudo o que sentimos naquele momento é transitório, mas é irremediável...
Posso dizer que faz tempo que nem eu nem você somos assim um com o outro?
... Era ela que corria até a porteira com todos os seus setenta e poucos anos para me receber, me acolhia, e eu a ela, não falávamos nada, eu entrava na casa com tanto cuidado, como se pudesse filmar com os olhos cada pedacinho daquele “dela-meu” lugar e ansiosa corria até os fundos para tentar abraçar o velho salso que parecia estar mais gigante.
O meu desafio era um dia alcançar o topo e ver além das montanhas, eu sabia que esse dia estava próximo, para ser franca eu poderia a qualquer momento subir até aquele topo...
Mas nunca subi. Nunca me atrevi. Às vezes também pensava na força das vontades, por exemplo, sobre o mundo das “explicações”... Se eu não quero acabar uma história como essa eu não preciso te dizer o porquê...
É redundante e pensando agora, novamente quando eu era eu-criança, era indizível simplesmente ser. Eu te contava sobre os mistérios, agora só gostaria de falar sobre aceitá-los.
É mais delicado do que parece se contar assim, diante de supostos “eus”, mas se efetivamente você me aceita como a você mesmo... irá entender então o que eu te direi agora:

...pequenas doses...


De repente
em voz baixa
soltou de uma vez todo o peso