domingo, fevereiro 19, 2006


Claridade ou encontrar extraindo

Acompanhei com os olhos, ainda atordoada, a trajetória ondulada e imprevista de uma única folha que abandonou seca o galho debatendo-se leve contra o ar denso da paisagem.
Percebo que mesmo ao ignorar o invisível, porque não o vejo, pressinto sua força porque me toca dentro, e aquele sonho me visita quando pode...
Estou no centro de alguma luz, olho em volta, não vejo nada a não ser a própria luz, por isso sou obrigada a vasculhar meu corpo, resisto o quanto posso, mas não há jeito, só resta a mim e a luz com sua cor que abisma e enjoa. Olho a mim como se fosse algo fora, no começo a idéia de me ver era resultado de não ter alternativa, então me olhava como olhei aquela folha seca que despencava leve rumo a uma próxima natureza...
Depois de seca será o que a folha-eu?
Tomei uma dose exagerada de ar e meu corpo agradeceu até eu não querer deixar o ar ir embora e segurei firme um corpo cheio querendo transbordar...Existe um limite onde não ouso avançar o desconhecido, ando a beira espreitando-me com esse peso de folha seca.
Segurava um corpo que se debatia para libertar-se, mas cheguei no limite da minha coragem, soltei as feras e essa carne toda, toda essa carne se foi, apenas um gesto, o de abrir a boca e toda a vida se vai em uma expiração-morte e de novo inspiro-vida e de novo só quero inspirar-me...
O sonho continua...
Eu no centro de uma estranha luz espalhada em todo o plano horizontal olho o que posso, continuo a vasculhar com os olhos, acho meus pés, encontro sinais de outras raízes, meus pés sempre tocam antes de mim, sigo com os olhos a linha bem contornada do osso, me detenho na minha liquidez, a essa altura estou rolando desarticulada numa cama que range, quase me traz de volta, mas meu eu que sonha está imóvel perdido em si mesmo...

Estava falando dos contornos que traço com os olhos e me ocorreu à idéia de que as coisas só existem pra mim se as olho, assim eu posso fazer existir o que eu quiser e posso me recusar a olhar alguém para que ele exista... Fiz existir essa casa, aquele banco, o teto, o quadro, a janela com o céu nublado lá fora, mas ouvi um canto de coruja e mesmo sem vê-la eu a vi em minha memória de como é uma coruja, às vezes minha memória das coisas não me deixa gostar das coisas como elas são e então previsível e incrédula prefiro não me virar e ver a coruja em sua realidade de ser uma coruja...
Porque eu não resistiria se não fosse uma coruja?
Não sei...E se eu me virasse agora e visse algo realmente extraordinário, algo que eu nunca vi, algo sem classificação-gênero-espécie, eu cederia ao mistério? Ou teria que arranjar urgentemente uma explicação lógica para o tal fenômeno?
Eu diria para todos assim: Eu vi um garielflin nas margens do riacho perto da minha casa e ele/ela...Não sei...Sorriu pra mim e em seguida virou uma bola de fogo e se consumiu ali gente, na minha frente... Pensando melhor eu prefiro o mistério, mesmo sem saber como aceitá-lo... O mistério não precisa das minhas explicações para se manifestar, ele precisa do nada, o próprio esforço em querer aceitá-lo o espanta...
Como ser-aceitar o nada? Penso que não terei tempo de enxergar as coisas como elas são, sem atribuir nada, nem valor ou projeções... As coisas como são é aprender a ver.
Meu penúltimo impulso no sonho é sempre o de desistir de querer ser o que não sou então uma vontade toma conta de mim: Meus olhos de repente se viram para dentro da orbe, um e depois outro, por um momento eu consigo me ver dentro com um olho e com outro vejo fora, seguidamente a boca vira-se, o nariz, as orelhas,todas as entradas são lacradas ...Resta o último impulso...Afasto os cabelos de um rosto liso e tombo leve de cima da sacada.

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